Eu já vi muitos filmes de George Clooney, mas a imagem que fazia «pop» na minha cabeça não era a de um homem extremamente sensual, como acontece a todas as mulheres que conheço. Não, durante muito tempo, esse galã consensual (ou devo dizer com sensual) não foi uma pipoca estaladiça e quente, antes murcha e pouco doce, embrulhada num cartuxo com um panfleto alusivo a Syriana. E, com esse nome, surge-me a imagem de um senhor gordo e nada atraente.
Eu não sei se já viram Syriana. Para vos ser sincera, acho que nem eu vi Syriana. Foi um daqueles filmes que assisti no cinema, numa espécie de encontro romântico desastroso. A partir daqui, as minhas recordações são uma grande nuvem cinzenta, onde a única coisa que quero partilhar é: cinema não rima com romance. E para que fique claro, e somente em abono da verdade, esse senhor gordo não era o rapaz na cadeira ao lado, mas sim o senhor na tela.
Com Up in the air, creio que está ultrapassado o trauma de George Clooney. Porque, de alguma forma, me revejo em Ryan Bingham. Ou melhor, nas experiências e filosofias de vida de Ryan Bingham. (E pronto, porque ele é, de facto, sensual).
Há um ano atrás tive a oportunidade de passar muitas horas em aeroportos, aterrar em muitos destinos, fazer check-in em vários hotéis. Uma vida onde o único denominador comum nas tarefas rotineiras é a palavra «movimento». São caras que fixas com sede, porque sabes que nunca mais às verás, são conversas que chegam a ser mais francas do que as com pessoas que conheces bem, porque sabes que nunca mais as verás, são momentos de diversão únicos, porque sabes que nunca mais as verás. E, o mais importante, são horas de reflexão produtiva, porque a única pessoa que realmente conheces, és tu.
E, no fim, dormes num quarto de hotel. Eu adoro hotéis e era capaz de viver num. Um copo no bar ao final da tarde, mais caras, mais conversas, música relaxante. Um duche, umas danças parvas enroladas na toalha, o som da televisão com programas estrangeiros, que achas parvo mas não consegues mudar de canal, e ter de dormir nua, porque o pijama ficou esquecido em casa ou não cabia na mala mas não faz mal, porque além do ar condicionado no máximo, existem os melhores edredons do mundo nos hotéis.
Uma sensação maravilhosa. Mas antes de irem a correr (ou devo dizer voar) ao abraço dessa vida, devo alertar que há uma condição para que tudo corra bem: sofrerem de dificuldades de ligação. Ou, como metaforizou Ryan e muito bem, levarem a mochila vazia.
Eu sofro disso. Na verdade, a maioria das vezes penso no quanto não gosto de pessoas e ainda recordo a primeira vez que senti a indignação da constatação: «as pessoas são más», uma frase que recorro mais frequentemente do que gostaria. E atenção, não posso descartar a minha quota parte de maldade, que aqui ninguém é (ainda) perfeito e continuo longe de conseguir um lugar no paraíso. Pois é, embora este ponto esteja mais do que discutido com a psicoterapeuta, os mecanismos para lutar contra as dificuldades de confiar nas pessoas estarem devidamente decorados e accionados, devo confessar que sou viciada no momento em que não conheço as pessoas.
Esse momento, onde as pessoas ainda não são, onde um «olá» é o ponto de partida e não um cumprimento recorrente e diário, sem sentido. Esse momento onde não custa voltar as costas, onde não custa o «adeus» e onde o «até breve» é o único chavão que se dá ao luxo de não ser verdadeiro. Onde pouco importa. Onde não te desiludem. Onde me sinto segura.
Por isso, Up in the air não veio fazer bem à minha capacidade de socialização. E acreditem que eu estava a torcer pelo final feliz. Veio antes acrescentar validade à minha teoria que, quando estabeleces uma ligação única com alguém, quando baixas os braços e dizes:
- «Bem, eu admito. Estava enganada e isto de gostar a sério de alguém é melhor do que andar por aí sem reconhecer as caras das pessoas. Não vou lutar mais contra isso, blablabla»,
é o princípio do fim.
Abriste a porta para a desilusão. E agora é uma bomba-relógio onde as cenas do próximo capítulo incluem partir o coração em pedacinhos, largar-te a mão e deixar-te cair, desamparada e desinteressadamente, no chão.
Directo das nuvens.
Nota - Este é uma das poucas caracterísitcas que desejo ardentemente que me mostrem que estou errada. Um dia. É que eu quero parar de desejar finais felizes e começar a acreditar neles, como únicos finais possíveis.
2 comentários:
fantástico o que disseste aqui... revejo-me em muito com essa característica do "sou viciada no momento em que não conheço as pessoas" mas eu sou amante das pessoas :) tanto que não me canso de conhecê-las e trazê-las junto ao peito...
e sim: encontros no cinema são de fugir!! também tive os meus momentos traumáticos de adolescente aí mesmo :)
Gostei muito, mesmo muito, deste texto :-)
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