quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O embrulho

Endereçou o embrulho mas, ao invés de entregá-lo no balcão dos correios, segurou-o junto do peito. Só as mãos tremiam, num medo que tudo o resto paralisava. Que fazia, afinal? Que pretendia com aquilo, ao deixar o embrulho voar dois mil quilómetros de distância para chegar às mãos dele?
Não reacender um amor. Não, impensável. Não abalar corações. Estão duros os pedaços que dele restaram. Não mexer em feridas. Foram lambidas. Ou cuspidas.
O embrulho: queria apenas dizer que, quando pensa nele, já não o odeia tanto. Que o passado não dói mais. Que, por isso, pode recordá-lo. E que o fez, ali. Entre falas estridentemente cantadas e peles mornas. E que, quando o fez, voltou a sentir o cheiro dele. E todo o amor que isso lhe provocava.
A dois mil quilómetros de distância. Também a muito mais distância do que isso.