terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Prometo

Tenho um cliente, senhor dos seus 57 anos, cuja voz não engana: é jornalista numa grande rádio portuguesa. É daqueles clientes entusiasmados, cheios de sucesso na perda de peso, e que chora quando vê os números diminuirem na balança. Porque gosta do bom que a vida lhe traz. E a vida traz-lhe viagens a terras portuguesas, reportagens gastronómicas, amigos e bons vinhos. Ele sai sempre contente, sobretudo porque os quilos lhe saem do corpo com suor. O preço de abdicar dos prazeres estafa mais do que uma corrida de fundo. Mas quando fecha a porta, sorridente e aos saltos, deixa-me sozinha com a tristeza. Ele não sabe, mas quando se senta na cadeira, reflecte a minha desistência. Representa o círculo vermelho no calendário, ano de 2010, rodeando aquele dia de Janeiro em que traí um amor louco pelo jornalismo por uma relação estável com a nutrição.
Ao fim de dois meses, abro o jogo. Ele espanta-se. Faz-me perguntas sobre o meu percurso profissional. No fim, olha-me, atordoado. Parece que levou com um pau na cabeça ao curvar uma esquina:
- Caramba, mas você é tão boa nisto! - Sinto desilusão na sua voz. Percebo que, neste tempo, em silêncio, ele admira o meu trabalho como eu admiro o dele.
Encolho os ombros. Sinto fraqueza no coração. Agradeço e agarro com força a belíssima caixa de trufas de chocolate que ele me deu de presente - o seu humor é genial -, como se nelas agarrasse de novo a doçura daquele amor que um dia deixei. Honestamente, fico vazia ao perceber que afinal sou boa em algo que me entedia tanto. Explico-lhe, agora incapaz de evitar a maré-cheia que se adivinha no meu olhar:
- Mas contar histórias é uma paixão... - soo como uma filha. Aquela que se desculpa por um acto feio, inocentemente cometido. Imaginem: sou a menina que encheu a boca de trufas de chocolate, desobediente à ordem de comer apenas uma antes do jantar. Tenho os lábios gulosos, as mãos sujas, e a sensação de que desiludi o pai.
Só que ele, colando-se perfeitamente ao papel que lhe dei, responde-me com a resignação desse pai que aceita, por fim, que a filha escolheu um caminho diferente do que ele esperava.
- Venha almoçar comigo um dia destes. Vem?
Sorrio. Sorrio muito. Dentes cheios de chocolate, lábios gulosos e mãos sujas. A sensação do amor incondicional de um pai pelo filho, mesmo que ele coma uma loja de guloseimas inteira.
- Oiça, não desista. - Agarrou-me a mão. Deu-me um beijo na face. - Nunca desista!
E fez-me um tracinho no coração. Quando morrer, ele estará lá marcado.

1 comentário:

AP disse...

Tão bonito!! E já são dois post´s a que responde o mesmo, mas é mesmo isso: é tão bonito :)